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O abuso da desconsideração da personalidade jurídica e os artigos 133 e seguintes do CPC

Rui Celso Reali Fragoso
Advogado – foi Presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo e Professor de Direito na PUC/SP e FMU

O Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), nos artigos 133 e seguintes, disciplinou a forma procedimental da desconsideração da personalidade jurídica, consolidando a disposição do artigo 50 do Código Civil (Lei n. 10.406/2002). Com a expressa regra processual, a aplicação desse instituto teve o objetivo de evitar o ativismo judicial e o abuso na utilização da teoria, o que trazia insegurança jurídica na responsabilidade dos sócios e o desestímulo à atividade empresarial.
Vale lembrar que oriunda de tribunais norte-americanos e ingleses, como característica do direito anglo-saxão, onde determinados institutos são tratados primeiro pelos tribunais, para depois ganharem sistematização, surgiu a “disregard of legal entity” ou também “lifting the corporate veil”.
Até a década de 1970, entre nós, prevalecia a regra de não confundir a sociedade com a pessoa de seus sócios e, consequentemente, a não responsabilização pessoal dos sócios pelas dívidas da empresa. Muitos julgados da época entendiam que a integralização do capital de forma plena não autorizava a constrição judicial sobre bens dos cotistas.
O primeiro estudo no Brasil sobre a teoria foi de Rubens Requião em 1969 (RT 410/12). Posteriormente, Fabio Konder Comparato em 1976 (O poder de controle na sociedade anônima) e J. Lamartine Correa de Oliveira em 1979 (A dupla crise da pessoa jurídica) aprofundaram a discussão. Em 1986, a Revista Justitia do Ministério Público de São Paulo trouxe estudo sobre o assunto e, em 1989, Fabio Ulhoa Coelho publicou sua tese sobre o tema. Dentre outros renomados estudiosos que percorreram o tema: João Casillo (RT 528) e Marçal Justen Filho (RT 470). Em 1990, o Código de Defesa do Consumidor recepciona a teoria, ainda que de forma inadequada, pois “incorreu o legislador em imprecisões conceituais lamentáveis, ao confundir institutos e listar alguns fundamentos estranhos à desconsideração”.
(COELHO, Fabio Ulhoa. IN: SILVA, Leonardo Toledo da. Abuso da desconsideração da personalidade jurídica. – São Paulo: Saraiva, 2014, p. 15)

Assim, mesmo com os equívocos na legislação consumerista, a tese trazida por Rubens Requião, com apoio e referência do direito comparado, passou a ser utilizada por ser pertinente, objetiva e evitar injustiças. Ora,” se a pessoa jurídica não se confunde com as pessoas físicas que a integram, pois são personalidade jurídicas distintas; se o patrimônio da sociedade é autônomo, pois são personalidades distintas, não se identificando como dos sócios, seria fácil burlar o direito dos credores, transferindo previamente para a sociedade comercial todos os seus bens, ou o inverso, esta situação não poderia permanecer intangível”.2 Deste modo, surge o alerta de quão fácil seria por meio de pessoa jurídica tentar fraudar credores e o remédio eficaz para combatê-la, desde que demonstrada, de forma clara, o abuso do ente jurídico, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
A partir de então, ainda que lentamente, os tribunais passaram a aplicar, em algumas situações, sempre em caráter excepcional, a desconsideração da personalidade jurídica. No âmbito de legislação não havia expressa disposição. A jurisprudência, no entanto, em alguns casos, adotava a teoria. O novo Código Civil, em seu artigo 50, com redação final da Lei. n. 13.874/19, recepciona a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. A aplicação da disposição fulmina apenas o ato, considerado abusivo ou de desvio de finalidade, sem ocasionar a dissolução ou liquidação da sociedade. Deste modo, toda vez que houver confusão patrimonial entre os bens da sociedade e do sócio com prejuízo de terceiro ou quando a sociedade desviar de seu objetivo societário para causar dano, o Juiz poderá determinar, a pedido do interessado ou do Ministério Público, com base em provas efetivas do dano, com a cautela de esperar a resposta do sócio ou da pessoa jurídica, alcançar os bens do sócio.
E, igualmente, o Código de Processo Civil, nos artigos 133 a 137, regulou o procedimento e tornou obrigatório o incidente prévio para a pretensão de extensão de atingir bens de terceiro, com a observância do devido processo legal. A falta de cumprimento desta técnica leva o procedimento a nulidade, assim a decisão que aplica a desconsideração, a partir da vigência do Novo CPC, tem que ocorrer, obrigatoriamente, no incidente, após a manifestação do sócio ou da pessoa jurídica. (RT 410/12.)

Em suma, é imprescindível a instauração do incidente de que tratam os artigos 133 e seguintes do CPC, de modo a permitir a inclusão de pessoa estranha ao processo original para se buscar atingir seu patrimônio. Como a medida é protetiva, pois preserva a empresa e o direito de terceiros, por outro lado, também é drástica e disso resulta a prudência de se dar oportunidade de contestação, antes de eventual deferimento. Embora possível, a tutela de urgência só poderá ser aplicada em situações especialíssimas.
O art. 133, parag. 2º, do CPC admite a desconsideração inversa, ou seja, responsabilizar a sociedade por obrigações do sócio, ocasião que os demais sócios deverão ser citados.
Na área trabalhista, a reforma disposta na Lei 13.467/17 trouxe disposição expressa com flexibilidade excessiva, adotando técnica inadequada e próxima à do art. 28 do Código do Consumidor.
Em 2019, a Lei Federal 13.784, de forma expressa, ao alterar o art. 50 do CC restringiu o alcance da responsabilização apenas àqueles sócios e administradores que, de forma cabalmente demonstrada, foram beneficiados pelo abuso da personalidade jurídica. Assim, o credor ao pretender atingir o sócio ou administrador deverá demonstrar que esse usufruiu de alguma forma com a utilização da pessoa jurídica. A apuração de responsabilidade do sócio minoritário deve ser analisada se decorrente de conhecimento ou participação do ato irregular e se dele colheu proveito. Antes da edição desta lei, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça era forte no sentido de que a desconsideração envolvia ilimitadamente todos os sócios da empresa, sem exceção, independente de quem tivesse cometido o abuso.
Também, a proteção do consumidor deve ser adotada, pela via da desconsideração da pessoa jurídica, em casos específicos, cabalmente demonstrados os requisitos e se superado ou insuficiente o patrimônio da pessoa jurídica e diante desta nova interpretação do artigo 50 do CC.
Na legislação falimentar anterior havia certa confusão, pois estabelecia que os sócios não eram atingidos pelo efeito da quebra e ao mesmo tempo estendia a eles os efeitos da falência (artigo 5º. Do Dec. Lei 7.661/45). A Lei 14.112/20 adotou no direito falimentar a desconsideração da personalidade jurídica, mas veda a atribuição de responsabilidade de terceiros em decorrência de mero inadimplemento de obrigações do falido ou em recuperação judicial, ressalvadas as garantias reais e fidejussórias e as demais hipóteses reguladas pela lei falimentar. No entanto, de forma expressa optou que a falência da sociedade constituída sob forma de responsabilidade ilimitada também repercute diretamente em seus sócios. Assim, os sócios devem integrar o polo passivo e não lhes é assegurado o benefício de ordem.
Diante da anterior falta de previsão na Lei Falimentar, o artigo 82-A da Lei 14.112/20 vedou a extensão da falência e seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios da sociedade de responsabilidade limitada. Não obstante, existe a possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica na falência, desde que observados os requisitos objetivos que demonstram o abuso da pessoa jurídica caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Nestas situações, os bens pessoais dos sócios poderão ser arrecadados para futura satisfação da massa de credores. O que pode aparentemente parecer contraditório, na verdade não é.
Deste modo fica confirmando o princípio da autonomia patrimonial, característico da constituição deste tipo societário.
A desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do CC) tem pressupostos e características diferentes da responsabilização civil (artigos 186 e seguintes do CC), embora o objetivo seja o mesmo: atingir os bens dos sócios. O Ministro Luís Felipe Salomão demonstra que “não há como confundir a ação de responsabilidade dos sócios e administradores da sociedade falida com a desconsideração da pessoa jurídica. Na primeira, não há sujeito oculto, ao contrário é plenamente identificável e evidente, e sua ação infringe seus próprios deveres de sócio/administrador, ao passo que, na segunda supera-se a personalidade jurídica, sob cujo manto se escondia a pessoa oculta, exatamente para evidenciá-la como verdadeira beneficiaria dos atos fraudulentos”3.
3 SALOMÃO, Luís Felipe. IN: CUNHA, Fernando Antonio Maia da; DIAS, Maria Rita Rebello Pinho. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência: Lei n. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. – São Paulo: Editora Contracorrente, 2022, p. 519.

Outro aspecto importante, a partir da Lei 11.112/20, foi a atração plena para o Juízo universal apreciar a desconsideração da personalidade jurídica oriundas de processos trabalhistas. Enfim, o deferimento da falência ou recuperação judicial, por si só, não é suficiente para que seja deferido o pedido de desconsideração da pessoa jurídica. Da mesma forma, no âmbito da Justiça do Trabalho impõe-se maior rigor para apreciação da desconsideração (caso não tenha sido observada a atração pelo juízo falimentar) de modo que o bem ou valor apurado sempre deva ser destinado ao Juízo falimentar e, assim proporcionar a igualdade de rateios no momento do pagamento dos credores trabalhistas.
Esta norma é autoaplicável e de ordem pública podendo assim atingir procedimentos em andamento e deve ser estendida às execuções. Na verdade, se ocorreu a fraude e demonstrado efetivamente o benefício do devedor, a desconsideração seria aplicável como exceção.
No entanto, a exceção virou regra e a desconsideração da personalidade jurídica passou a ser utilizada de forma inadequada e excessiva. Decorridos mais de cinquenta anos do estudo inicial da teoria no Brasil, a sua aplicação ainda traz dúvidas, incertezas e utilização abusiva.
Em primeiro lugar, o artigo 50 do CC assumiu a regra da desconsideração da personalidade jurídica, mas foi mais além, ao atingir os bens do administrador. Ou seja, além dos bens dos sócios há a contradição de imputar a responsabilização, também, ao administrador. O intuito seria responsabilizar quem participou do ato considerado fraudulento, como característica da função exercida, porém, ultrapassou os limites da desconsideração da personalidade jurídica porque o administrador nem sempre será sócio.
A responsabilidade do administrador pode ser apurada por abuso ou outra forma de ilicitude na gestão, mas não tem fundamento sua equiparação como devedor solidário para desconsideração da personalidade jurídica da empresa. O administrador não poderia ser suscetível de responsabilização via desconsideração da personalidade jurídica. A responsabilização de sua atuação deve ser alcançada pela responsabilidade civil dos administradores.

Diante deste quadro, exame apurado demonstra que duas situações distintas (responsabilização civil do administrador e desconsideração da personalidade jurídica) não deveriam ser tratadas dentro de um mesmo artigo, o que descaracteriza a essência da teoria.
Poder-se-ia entender que ao exorbitar os limites da desconsideração por decorrência atinge a responsabilização civil dos administradores, porém os pressupostos diferem. Independente de eventual preciosismo interpretativo, a visão atenta mostra a incompatibilidade, mas, mesmo assim, nos termos da lei, hoje os tribunais decidem no sentido de que “só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular, e limitadamente ao administrador ou sócios que nela hajam incorrido “- Enunciado 7 CEJ.
Importante ressaltar que cabe ao Juiz, mediante provocação da parte ou do Ministério Público, no incidente próprio, analisar se ocorreu a fraude ou o abuso de direito para então alcançar as pessoas e bens que sobre o manto corporativo, ou de forma inversa, procuram evitar a responsabilização por atos ilícitos ou abusivos. O incidente por iniciativa ex officio não tem previsão legal, no entanto, parcela da doutrina admite para questões consumeristas, laborais e ambientais (cf. Nery Jr. Nelson, Rosa Maria Nery)4. No entanto, o Direito ambiental já tem normalmente a atuação do Ministério Público, com legitimidade expressa e consequentemente não há razão para o Juiz instaurar de ofício o incidente.
Mas, não é só no âmbito da impropriedade legislativa que ainda decorrem os abusos na aplicação do artigo 133 do CPC com base no artigo 50 do CC.
Leis especiais passaram a adotar a desconsideração de forma extensiva e com isso descaracterizando o núcleo da teoria, ou seja, requisitos para aplicação foram desprezados como meio de se chegar à satisfação do credor, saindo do âmbito dos limites e pressupostos estipulados no art. 50 do CC. Da mesma forma, a desconsideração não pode ser aplicada nas sociedades de capitais, especificamente de sociedades anônimas. Aspecto
4 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. – 18. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 751.

importante, a ser analisado com maior profundidade, seria a possibilidade de aplicação da desconsideração, se presentes os pressupostos do artigo 50 do CC, às sociedades anônimas fechadas, o que, em um primeiro exame, parece possível.
Na verdade, a desconsideração da personalidade jurídica, com fundamento nos artigos 50 do CC e 133 e seguintes do CPC passou a ser usada de forma exagerada e abusiva. Com a redação da Lei n.13.147/19, só poderão ser responsabilizados os sócios ou administradores que tenham se beneficiado pelo abuso. Deste modo, é preciso que o autor do requerimento demonstre o benefício indevido do sócio ou da sociedade ainda que indiretamente. Disso decorre o afastamento de constrição de bens de sócio minoritário ou daquele que não tenha participado da administração ou que do ato fraudulento não tenha se beneficiado. O sócio majoritário, ainda que não tenha tomado parte diretamente e nem se beneficiado do ato abusivo, poderá ser responsabilizado por sua eventual negligência na condução da vida empresarial.
O uso da desconsideração da personalidade tem como base: o desvio de finalidade e a confusão patrimonial e o benefício do sócio ou da sociedade. Sua utilização deve ser examinada como exceção e com cautela pelo magistrado, antes de sua concessão. Conforme bem anota, Ana Carolina Ceolin, “o magistrado antes de deferir a penhora de bens de sócios, deverá exigir do credor prova cabal de que a sociedade foi usada por meio de confundir terceiros”5.
Desvio de finalidade é o uso da pessoa jurídica almejando alcançar determinado fim atípico ao negócio jurídico com intenção de prejudicar terceiro, ou seja, uma finalidade ilegal. E confusão patrimonial é a ausência de separação patrimonial entre o sócio e a sociedade, assim como o cumprimento repetitivo de obrigações de sócio pela sociedade ou da sociedade pelo sócio6.
5 CEOLIN, Ana Caroline Santos. Abusos na aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. – Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 53.
6 FERRAZ, Fábio. A desconsideração da personalidade jurídica e os sócios não gestores da sociedade limitada: atualizado de acordo com a Lei de Liberdade Econômica e Lei do Ambiente de Negócios. – São Paulo: Editora Dialética, 2022.

Importante verificar se a pessoa física do sócio ou jurídica da sociedade se beneficiou do ato considerado fraudulento ou se o autor do ato fraudulento também se beneficiou. Não é a simples insolvência do devedor original ou a má condução empresarial que traz, necessariamente, o efeito da desconsideração para os sócios ou terceiros estranhos ao processo que transacionaram com a sociedade ou sócio. É indispensável mostrar o desvio de finalidade e o proveito indevido do terceiro ou do sócio/sociedade. Não obstante, muitas vezes, o uso dos artigos 50 do CC combinado com os artigos 133 e seguintes do CPC tem sido feito de maneira equivocada e sem o exame imprescindível.
A insuficiência de bens da sociedade para satisfação de seus credores vem sendo utilizada, de forma reiterada, para a desconsideração da personalidade jurídica, o que, por si só, não pode ser considerado desvio de finalidade ou comportamento ilícito. Como bem anota, Fabio Ulhoa Coelho “sem o elemento subjetivo, intencional destinado a ocultar uma ilicitude atrás da pessoa jurídica, não há como superar a autonomia patrimonial que a caracteriza”7. Muitas empresas têm seu desaparecimento ou esvaziamento por conjecturas econômicas sem quem os sócios tenham participação abusiva ou ilicitamente para esta situação. Inúmeros seriam os exemplos que o avanço da tecnologia tornou dispensável serviços e empresas.
A fraude não se presume. Mas, muitas vezes, o juiz, primeiro determina a penhora de bens do sócio, para depois verificar se ocorreu o uso abusivo da sociedade. Desta forma, ao interpor os embargos de terceiro para demonstrar a inexistência dos pressupostos da desconsideração, com a consequente inversão do ônus da prova decorre a anomalia processual. Nesse sentido, também a lição de João Batista Lopes, “… o que não ser admitido é a decretação da desconsideração de plano, sic et simplicer, a pretexto de que a observância do contraditório poderia frustrar a eficácia da medida” (RT 818).
Assim, o devedor ao alienar para terceiro um bem antes de tornar-se insolvente ou falido, respeitado neste caso o termo legal, não se pode considerar antecipadamente fraudulenta a alienação. Será sempre necessário demonstrar o ânimo de prejudicar terceiros e favorecer a sociedade/sócio ou este dela se beneficiar injusta e desproporcionalmente. A
7 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 2: direito de empresa: sociedades. – 23. ed. rev. e atual. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

alienação onerosa para configurar fraudulenta necessita a demonstração de que o terceiro tinha ciência que o bem alienado implicaria no prejuízo de terceiros.
Da mesma forma, se o devedor original (sociedade ou sócio) ao prestar um mútuo para terceiro, com intenção ou não de esvaziar seu patrimônio e depois tem este mesmo valor efetivamente devolvido (quitado) pelo mutuário, não se pode, obviamente, desconsiderar a personalidade jurídica do mutuário, se o mutuante já não dispõe do valor no momento do pedido para a desconsideração da personalidade jurídica.
A desconsideração atinge o ato fraudulento e se restringe ao valor do ato considerado abusivo e não pode acarretar a obrigação de responsabilização de eventual dívida total do devedor original.
Enfim, não se pode autorizar a desconsideração sem prévia e razoável prova no sentido do abuso do direito ou do desvio de finalidade, por meio da pessoa jurídica. Atualmente, a mera alegação de fraude associada, muitas vezes, ao nome e ao perfil do devedor original, justificam, de forma precipitada e injusta, a indisponibilidade de bens de particulares – o que intrinsicamente causa um prejuízo que pode se tornar irreparável.
Diante do abuso da desconsideração da personalidade, compete ao magistrado, ouvir a parte contrária e o exame cuidadoso para o deferimento de tão drástica medida.

Rui Celso Reali Fragoso
Advogado – foi Presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo e Professor de Direito na PUC/SP e FMU
Bibliografia:
CEOLIN, Ana Caroline Santos. Abusos na aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. – Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 2: direito de empresa: sociedades. – 23. ed. rev. e atual. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

CUNHA, Fernando Antonio Maia da; DIAS, Maria Rita Rebello Pinho. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência: Lei n. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. – São Paulo: Editora Contracorrente, 2022.
FERRAZ, Fábio. A desconsideração da personalidade jurídica e os sócios não gestores da sociedade limitada: atualizado de acordo com a Lei de Liberdade Econômica e Lei do Ambiente de Negócios. – São Paulo: Editora Dialética, 2022.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. – 18. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019
SALAMA, Bruno Meyerhof. O fim da responsabilidade civil limitada no Brasil: história, direito e economia. – São Paulo: Malheiros Editores, 2014.
SILVA, Leonardo Toledo da. Abuso da desconsideração da personalidade jurídica. – São Paulo: Saraiva, 2014.
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Direito Comercial – Sociedades: teoria geral do direito societário – as sociedades em espécie do Código Civil – volume 2 – 4. ed. – São Paulo: Editora Dialética, 2022.